quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

OuTonalidades: circuito cumpriu roteiro luso-galaico e terminou a sul!

Epopeia itinerante do 14º OuTonalidades chegou ao fim após 68 concertos de 25 grupos em 22 espaços de música ao vivo!

A comitiva da d’Orfeu em Santo Estêvão, no Algarve, ponto mais a sul do 14º OuTonalidades.

Em Santo Estêvão (Tavira), ponto mais a sul de todo o circuito, foi um espectáculo da associação organizadora, “Toques do Caramulo”, que encerrou a 14ª edição do "OuTonalidades - circuito português de música ao vivo”. O evento começou a 22 de Setembro na Corunha e apresentou uma impressionante agenda de música ao vivo até 18 de Dezembro, num roteiro que se estendeu da Galiza ao Algarve.

Neste último fim-de-semana, além da Casa do Povo de Santo Estêvão, espaço onde o circuito pegou de estaca nas últimas edições, o OuTonalidades teve concertos em Lisboa (Toques do Caramulo, na véspera de descer ao Algarve) e em Tondela e no Fundão (com o projecto do guitarrista Marcos Teira, um dos vários grupos galegos desta edição). O poder de intervenção cultural deste circuito assume uma importância cultural decisiva em muitos destes locais e cria importantes oportunidades de circulação para os grupos envolvidos.

O êxito do OuTonalidades vem resultando, incontornavelmente, do inédito intercâmbio luso-galaico resultante da parceria do circuito português com a Rede Galega de Música ao Vivo, criando-se um roteiro único de espaços e grupos portugueses e galegos. Foram muitas as noites memoráveis desta edição, foram muitos os quilómetros percorridos pelos grupos, e foram muitas as centenas de espectadores deste grande palco chamado OuTonalidades, à 14ª edição.

Os Municípios de Águeda, Estarreja, Ovar e Tavira apoiaram oficialmente o 14º OuTonalidades, além do Ministério da Cultura / Direcção-Geral das Artes e de vários outros organismos. Na Galiza, a AGADIC e a Clubtura são os parceiros oficiais do OuTonalidades. O circuito foi coordenado, como desde sempre e a partir de Águeda, pela d’Orfeu Associação Cultural.

Muito em breve, durante o primeiro trimestre de 2011, abrirá o período de inscrições de grupos para a 15ª edição.

14º OuTonalidades – circuito português de música ao vivo

sábado, 18 de dezembro de 2010

Os 15 anos da d’Orfeu nos escaparates!

Apresentação na Fnac Vasco da Gama | foto © Filipe Vidal

"Contexto e Significado" apresentado
nas lojas FNAC de todo o país!



Após o lançamento em Águeda a 4 de Dezembro, o livro-filme "Contexto e Significado" - edição que assinala os 15 anos da d’Orfeu Associação Cultural - será apresentado além das margens do Botaréu, um pouco por toda a geografia nacional, nas lojas FNAC. A primeira apresentação decorreu já no passado domingo, 12 Dezembro, na FNAC Vasco da Gama, em Lisboa, com a presença dos autores António Pires e Tiago Pereira.

Nas suas intervenções, o jornalista António Pires e o visualista Tiago Pereira partilharam com o público o conceito e o processo criativo das suas obras, aguçando o apetite dos presentes para “Contexto e Significado” e também para o fenómeno cultural interpretado pela associação de Águeda. Ouviram-se ainda algumas passagens do audio-livro de “Contexto”, terminando a sessão com a projecção de um excerto do filme "Significado". Esta edição comemorativa dos 15 anos da d'Orfeu Associação Cultural, que assinala igualmente a estreia do selo editorial d'Eurídice, continuará a ser apresentada pelo país:

16 de Janeiro - FNAC Mar Shopping, Matosinhos (17h00)
28 de Janeiro - FNAC Guimarães (22h00)
29 de Janeiro - FNAC Coimbra (17h00) e FNAC Leiria (21h30)
30 de Janeiro - FNAC Viseu (17h00)
2 de Fevereiro - FNAC Chiado (18h30) e FNAC Colombo (21h30)
6 de Fevereiro - FNAC Braga (17h00)

“Contexto e Significado" encontra-se já à venda nas principais lojas FNAC do país, mas encontra-se igualmente em várias associações parceiras da d’Orfeu: na ACERT (Tondela), no Contagiarte (Porto), na Oficina de Música de Aveiro, na Discoteca Wah-wah do Mercado Negro (Aveiro), na Tradballs (Lisboa) e na PédeXumbo (Évora). Está também à venda directamente na d’Orfeu e através da web da Associação. Para mais informações, contactar 234603164 ou dorfeu@dorfeu.pt.



terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Navegar é preciso, viver não é preciso!

MEMORANDO DO PÉRIPLO DE PROSPECÇÃO CULTURAL NO BRASIL
Luís Fernandes / d’Orfeu Associação Cultural
22 Novembro a 13 Dezembro 2010
apoio: Organização dos Estados Iberoamericanos

minha mesa de trabalho na d’Orfeu, como a deixei à partida


ESCALA 1 _ CURITIBA (PARANÁ)

Na capital do Paraná, esta primeira semana do périplo reflectiu-se numa ronda de reuniões e conversas com instituições, artistas, produtores, para além de assistir também a um ou outro espectáculo. Com a Olaria e a sua dinamizadora Lia Marchi - parceira d’Orfeu de longa data - como pivot das oportunidades de contactos, os encontros sucederam-se:
  • com Janete Andrade (programadora), da Fundação Cultural de Curitiba, na própria fundação que dirige, onde me abriu as portas da Capela Santa Maria, espaço outrora de oração agora transfigurado em auditório. Pessoa de referência para as pontes que queremos fazer.
  • com Sérgio Albach (director da Orquestra à Base de Sopro) e João Egashira (director da Orquestra à Base de Corda), do Conservatório de MPB, o primeiro num fim de ensaio, o segundo num fim de concerto. Os fins das coisas são sempre mais descontraídos.
  • com Hermeto Pascoal e Aline Morena (músicos), visita de cortesia em que senti como a d’Orfeu, para os que lá passam, não se esgota num concerto ou tournée. Depois de me ter dado a receita de como se faz o Som da Aura, estou em pulgas para as suas boas-vontades criativas com uma gravação que lhe deixei.
  • com Clodoaldo Costa (produtor), da Banalíssima Arte (indicado pelo pessoal do Tangos & Tragédias aquando da recente passagem pelo Festival O Gesto Orelhudo, há menos de dois meses atrás), que poderá ser providencial para futuras oportunidades de circulação no Brasil. Boa conversa ao sabor de um açaí.
  • com Robert Amorim ‘Beto Batata’ (empresário e promotor cultural). Beto Batata é um restaurante muito popular, tal como o proprietário, um melómano das artes, que faz do restaurante um autêntico centro cultural, promovendo continuamente artistas, projectos, exposições e edições. A casa tem um único prato na ementa: batata suíça, um preparado de batata que é cozinhado em frigideiras, ficando com forma tipo ‘omelete’, tendo várias opções de recheio. Empanturra qualquer um, eu não consegui acabar a minha. Já a opção de programa cultural é bem mais abrangente: além de exposições de arte permanentes e lojinha com as múltiplas edições (livros, discos, DVD, postais) de artistas patrocinados pelo Beto Batata, ao fim-de-semana chega a haver música ao vivo em quatro salas distintas do restaurante/complexo em simultâneo. Um espantoso lugar.
Desta primeira escala, Curitiba, senti possibilidades concretas de cooperação futura, mas temos agora que conseguir juntar duas pontas. Do lado brasileiro, entusiasmarem-se com uma participação artística lusa na 30ª edição da Oficina de Música de Curitiba, em Janeiro 2012. Do lado português, não se deixar passar em claro, junto das instituições, o anunciado facto de 2012 ser o Ano de Portugal no Brasil. Fiquei refém desta missão.

Em Curitiba, vi ainda a estreia do novo espectáculo da Companhia dos Palhaços, malta muito prendada para a musicomédia. E conheci, via DVD por gentileza do seu maestro, Milton Karam, o Coral Brasileirinho.

Saí também de Curitiba em direcção do mar, para uma jornada que se revelou especial na Ilha dos Valadares (ao largo da cidade portuária de Paranaguá), onde mergulhei na profunda vivência do Fandango daquela região litoral do Paraná. Essa volta levou-me, entre muitos, ao
tocador de rabeca Pedro Pereira, à Associação Mandicuera e à inauguração da exposição de instrumentos musicais do fandango (rabeca e viola caiçara).

Pedro Pereira, tocador de rabeca, no seu boteco na Ilha dos Valadares

a Associação Mandicuera mantém vivas as tradições da ilha – grande trabalho, ‘Poro’!

eu a t(r)ocar viola caiçara com os fandangueiros em Paranaguá


ESCALA 2 _ SALVADOR (BAHIA)

Salvador tem um centro histórico de uma carregadíssima influência portuguesa, nas praças e edifícios, mas especialmente nas igrejas (há 365 igrejas na capital da Bahia, uma para cada dia do ano). Além disso, em Salvador, um aguedense está quase na terrinha: também há Praia da Barra e, melhor, Farol da Barra!

O Mercado Cultural da Bahia tem palco principal no Teatro Castro Alves, cujo principal auditório de 1437 lugares acolheu os maiores concertos (nomes como o enorme Egberto Gismonti marcaram o programa, ainda que o cartaz tivesse escala planetária, com grupos de Espanha – o Coetus, com o nosso conhecido Eliseo Parra -, Coreia do Sul, Marrocos, Cabo Verde – a emergente Carmen Souza – e Áustria).

o Teatro Castro Alves à pinha, no Mercado Cultural da Bahia

Apercebi-me da realização prévia de uma caravana artística do Mercado por pequenas cidades do interior da Bahia, com as comitivas dos grupos estrangeiros que viriam a fazer parte do programa oficial em Salvador. Com pena, só percebi a verdadeira dimensão dessa fascinante parte do programa, já em Salvador, pelos relatos chegados.

Das três componentes habituais das feiras de música, o Mercado Cultural da Bahia foca pouco ou quase nada a componente de exposição. Antes privilegia os concertos e as mesas-redondas. Os contactos entre profissionais ficam ao sabor do encontro informal durante e entre as actividades e os concertos. No Mercado da Bahia vi repetir-se a sensação de como, neste meio, recorrentemente encontramos as mesmas pessoas, os mesmos profissionais (algumas mesmas caras que na Womex, no Babel, no Mercat Vic e por aí fora). Só não contava que, noutra latitude, fosse tão marcante esse padrão. Afinal, estamos a falar de gente que percebe que não pode não estar em todas. Rendo-me às evidências do ‘negócio’ música. Só não acrescento nenhuma convicção às que já tinha.

Foi em Salvador, numa mesa-redonda (por sinal, rectangular), que tirei o raio-x à geografia de Feiras e Mercados em território brasileiro, a saber:
A 4 Dezembro, em Salvador, estive também em Águeda via telefone, nos 15 anos da d’Orfeu. Tive que compensar a ausência no porco-no-espeto com ementas locais: acarajé, moqueca de camarão, queijo coalho assado na brasa, etc e tal.


ESCALA 3 _ BELO HORIZONTE (MINAS GERAIS)

BH é uma cidade mais actual, digamos assim, soa mais a europeia. Na arquitectura não tão antiga, nas ruas, prédios e avenidas, na vivência urbana. Foi a primeira impressão, que fui podendo depois comprovar.

A Feira Música Brasil é um super-evento de encher o olho, com uma máquina institucional e promocional que, me parece, dispôs de meios invejáveis. Explicável talvez por ser uma iniciativa do próprio Ministério da Cultura brasileiro, operacionalizada pela Funarte, com direito a Ministro na cerimónia de abertura. E a ex-Ministro no palco principal: na primeira noite, entre muitos outros, um fabuloso concerto de Gilberto Gil.

Mas, de tudo o que me passou pelos olhos e ouvidos, muitos novos nomes me entraram na memória futura (pelo potencial de os programar um dia qualquer ou por, simplesmente, terem caído no meu goto melómano). E lanço já aqui o directório desses nomes todos, juntando Curitiba, Salvador e BH, dos programas oficiais ou dos outros. São eles, a minha selecção brasileira destas três semanas:
  • Julião Boêmio
  • DJ Tudo e sua Gente de Todo Lugar
  • Titane
  • Breculê
  • Renata Rosa
  • Uakti
  • Quarteto Olinda
  • António de Pádua
  • Renegado
  • Leandro Valentin
  • Pato-Fu
Uns ouvi, outros conheci, outros ouvi falar, outros esbarrei com eles, outros impingiram-me (eu também me fartei de impingir, não seja por isso!). Mesmo que fosse para conhecer pela internet, há coisas a que só cheguei estando no Brasil, quem diria? Por estar perto dos zunzuns locais, por ver um cartaz na rua, por apanhar um comentário, por se sentir no ar.


A FMB, que a cada ano tem lugar numa capital de Estado diferente (em 2009 foi no Recife, agora em BH), só apresenta grupos e artistas brasileiros, portanto é uma montra deliberada para programador estrangeiro ver. E estavam muitos, representando os principais festivais da Europa e Américas – vários, bastantes até, a fazer a dupla escala Salvador / Belo Horizonte, como eu. E, além dos concertos e conferências, uma tónica muito forte nos encontros de negócios. Um salão repleto de mesas com pré-inscrições e agenda marcada, lembrando um qualquer campeonato de xadrez mas com corropio de bolsa de valores, para agentes ou artistas terem os seus cinco minutos de tempo de antena junto dos principais programadores.


Senti na FMB a impotência pela ausência lusa de políticas de exportação cultural, de organismos de promoção exterior, de linhas de apoio à circulação internacional. Chega a ser inglório, isoladamente, competir por um espaço de interlocução e colocação do nosso produto artístico no Brasil ou onde quer que seja, entre tubarões, leia-se países (ou regiões), que suportam
à cabeça a mobilidade dos artistas, chegando em alguns casos a pagar para garantir o maior contingente artístico possível neste tipo de certames. Só para contexto, com uma estratégia representativa, os nosso vizinhos galegos apresentaram-se em BH com uma comitiva de cerca de quinze pessoas, liderada pela AGADIC, com uma agenda quase diplomática de reuniões e, como já é hábito, munidos do habitual merchandising promocional de música galega com que nos presenteiam na maioria das feiras internacionais. Se para o Luís Fernandes, programador da d’Orfeu, a colheita é certa – tem-se acesso a exponencialmente mais oferta que a nossa própria procura -, já como artista ‘vendedor’ e português, ali na Feira Música Brasil fui só um reles navegador de nau catrineta. Este assunto é tema a expurgar, com a brevidade possível, junto dos responsáveis ministeriais ‘lá da terrinha’, como chamam, não sei se carinhosamente, os brasucas ao país colonizador.

Mas a oportunidade que a OEI - Organização dos Estados Iberoamericanos nos concedeu é extraordinária. O potencial de partilha deste périplo brasileiro, para o trabalho em rede que a d’Orfeu procura desenvolver, é enorme. Três semanas de prospecção abriram não mais que brechas, mas que agora, com trabalho de sapa durante o resto do ano, se podem transformar em portas a ranger, sim, mas a abrir. É difícil, pois o Brasil não tem a mesma predisposição cultural para Portugal como nós temos para tudo o que vem do Brasil, mas a semente foi lançada. Acreditemos na profecia cantada por Chico Buarque sobre a lusitanidade das terras de Vera Cruz:

Esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Por fim, uma palavra para o mais estupendo património que aqui deixámos: uma língua comum. Parei na rua para pensar nisso e o efeito dessa tomada de consciência é esmagador. Ainda que no Brasil de hoje, em que as novas gerações já não têm contacto geracional com pais, tios ou avós de ascendência lusa, o nosso português de Portugal chegue quase a ser, por vezes, uma língua estrangeira... Oi? Quê?!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Discurso 15 anos d'Orfeu - por Odete Ferreira

foto © Mário Abreu

Quinze anos já cá cantam.
Disse Luís Fernandes, Coordenador Geral da d’Orfeu.
Hoje, temos a certeza que os quinze anos da d’Orfeu cantam também no Brasil, onde se encontra este nosso timoneiro e garimpeiro, com apoio da Organização dos Estados Iberoamericanos para a Cultura, em trabalho cultural intenso, em prospecção de talentos que a d’Orfeu há-de divulgar.
Depois de ter participado na Aula Grátis Semanal da d’Orfeu e à pergunta “Gostaste da tua experiência na d’Orfeu”, Manon Martins Clemente, de sorriso à flor da pele, um dente adulto ainda por nascer, respondeu assim: “Gostei muito da maneira descontraída de ensinar dos professores, sobretudo porque falávamos de muitas coisas, muitos instrumentos novos, sons e músicas diferentes daquilo que aprendo na escola.

A menina desenhou assim a alma da d’Orfeu com tintas de infância, aguarelas de sons, de música, da diferença. Pressentiu-nos. Desenhou-nos. Obrigada, Manon!

Quinze anos é pouco tempo. São anos de Ingenuidade. Encantamento. Entrega. Risco. Luta. Paixão. Renovação. Nunca, nunca ociosidade.
Nesta década e meia, andarilhámos por aí, em todo o ar que nos levasse, num corrupio de leva e traz. Trouxemos nomes de quase todo o mundo. Levámos Águeda a sítios nunca sonhados pelos nossos fundadores. Formámos, criámos, divulgámos, inovámos, associámo-nos, fizemos parcerias, fidelizámos públicos, recriámos tradições, contextualizámo-las na contemporaneidade, numa filosofia de primado da arte sobre o entretenimento descartável, visando a aquisição de hábitos culturais, recusando o consumo imediato e a estatística ocasional.
Somos adolescentes? Pois que sejamos! A adolescência é a única idade de uma associação cultural.
António Pires, o escritor do “Contexto”, escreveu a história da alma da d’Orfeu, dos seus afectos, relatou o quase inenarrável e só um artista da palavra poderia tê-lo feito. Tiago Pereira, o visualista de "Significado", apontou a modernidade, assente nas raízes, como a essência da d’Orfeu.
Eu também não estou aqui para inventariar e catalogar factos da vida da d’Orfeu, mas há referências incontornáveis, na história desta Associação Cultural.
As nove edições do Festival “O Gesto Orelhudo” têm vindo a mostrar muito do que, transdisciplinarmente, se faz, no mundo, no âmbito das artes de palco.
As catorze edições do “Outonalidades” – circuito português de música ao vivo, têm revelado grupos musicais e promovido a sua circulação, extravasando as fronteiras nacionais, incrementando as trocas culturais entre Portugal e a Galiza, levando a d’Orfeu a, juntamente com várias associações musicais de Espanha, França, Bélgica e Dinamarca, tornar-se membro fundador, da Live DMA, uma plataforma de redes nacionais dedicadas à circulação de música ao vivo de pequeno formato no espaço europeu.
Os festivais de música do Mundo, inicialmente locais, deram lugar a um festival inter-municipal e regional, o Festim, fomentando sinergias e destruindo muros, continuando a revelar outras vertentes da cultura mundial, tão desconhecida pelos meios de divulgação puramente comercial. É conhecendo a música do outro, a sua diferença, que reconhecemos a essência da nossa.
As duas edições do festival i estiveram aí, para maravilhar o público familiar.
Os seminários temáticos anuais da d’Orfeu, com as últimas edições dedicadas ao Associativismo, têm sido o reflexo de uma preocupação constante de actualização, divulgação e troca de experiências, filosofias, caminhos, com vista a um enriquecimento colectivo.
As nossas criações, pontuais ou permanentes, a convite de outros ou por motivação própria, têm sido pontos de referência, e têm proporcionado um intercâmbio de vivências que enriquecem o nosso património de afectos.
Os nossos ciclos experimentais foram descobrindo o talento e trabalho de grupos apontados hoje como referências culturais e desembocaram em realizações, com uma acentuada vertente formativa, no domínio das tecnologias das artes do espectáculo.
A nossa Formação tem produzido e divulgado valores:
. nas artes de espectáculo,
. nas novas tecnologias ligadas às artes de palco, à imagem, informação e divulgação, numa busca constante do novo. Hoje mesmo, aqui e agora, estamos a projectar imagens do nosso site na Web, com estrutura a partir do logótipo da d’Orfeu, adaptação aos novos formatos de visionamento como iphone, ipad e outros suportes informáticos com dimensões reduzidas, e acesso directo a todas as ligações da associação, como facebook, myspaces e blogues.
As nossas co-produções locais, marca indelével da d’Orfeu, de que destacamos os espectáculos inter-associativos “Rio Povo” em 2007, 2008 e “Povo que lavas no rio Águeda” em 2009 e 2010, com a cumplicidade de múltiplas associações e inúmeros artistas locais e nacionais, e as Sextas Culturais de 2008, 2009 e 2010, ciclos agora encerrados para a d’Orfeu, constituem sinergias relevantes para a história cultural da cidade.
A nossa actividade, a nível local, regional, nacional e internacional, está devidamente documentada, na memória física ou informática e na memória humana de todos os que têm rido, questionado, aprendido e convivido com a d’Orfeu. A d’Orfeu tem sido e há-de continuar a ser uma sala de estar para quem quiser festejar a vida.
"Por vezes à noite há um rosto que nos olha do fundo de um espelho.
E a arte deve ser como esse espelho
Que nos mostra o nosso próprio rosto" [ Jorge Luís Borges ]

Ainda ontem, ainda há pouco, que o tempo da memória não se mede por relógios, um menino arquitecto, António Rocha Carneiro, ensinava no quintal, como se dizia” Povo que lavas no rio”, com o rio a ditar por dentro. Ele, o mais infante de todos os d’orfeus.
E um outro, o da palavra circunflexa, com direito a cognomes: Antunes de Almeida, Paixão, Direito e Poesia. Ele a quem os olhos se fizeram chuva, quando a d’Orfeu fez palco em Falgoselhe.
E Arlete Soares da Conceição Fonseca, rica de identidade e de afectos, que guardava a d’Orfeu, letra a letra, para que nenhuma pedra lhe tocasse.
E Rui Aguiar, Senhor da Serra, Ouvidor da Água, Bailador da memória. Apanhador do sexto sentido da terra. Mandador do Cancioneiro.
E Lélia Santiago, a Menina Castanheira, a Adolescente Concertina, a Senhora Directora, a mãe de tanto talento.
E Cristina Moura Coelho, irmã gémea da d’Orfeu a embarcar na mesma Catrineta da aventura, a travestir o tempo de audácia e de loucura.
E José Luís Gonçalves, de Espinhel, a dobrar as palavras com a música, a fazer da vida um constante carreiral de amigos. A Banda Alvarense testemunha.
A d’Orfeu aqui evoca.
Serão sempre amigos d’Orfeu. São também a nossa História. Pertencem à nossa marca. A d’Orfeu não esquece. Só se a neve da serra e o gelo do rio nos congelarem o canto. Ou a palavra. Ou a memória.

E outras histórias se viveram nos nossos milhares de horas.
A mais escondida vive entre uma fachada e um quintal. Ali, na Venda Nova, rua da Murmuração. Não é somente a história de artistas. É a história de gente formigueira, teclas a ditarem letras, números, gráficos, documentos, requerimentos, previsões, planificações, autorizações, concursos, criações, logística, viagens, aeroportos, imagens, cartazes, sonoplastia, luminotecnia, raiders técnicos, Web, circuitos, festivais, seminários. É a história de gente que partilha a arte, mas não vende a alma, de gente que é igual a toda a gente, de gente que procura amigos em vez de senhores, de gente que serve a cultura, que a divulga, que a traz e a leva, à raia, à praia, ao norte, centro e sul, a outros palcos da Europa e a quantos continentes houver.
As pessoas trabalham aqui com muito amor mas também com muito sacrifício, há aqui uma carga desumana de trabalho desde o início. Queremos garantir que as coisas continuem a existir, mas temos a noção clara de que tem que se dosear.
A d’Orfeu é uma nau de gente. Os da Venda Nova são os remadores. São eles que, numa militância muitas vezes inexplicável, constroem, com a sua dedicação, esta paradoxal associação, tão pequena e tão grande, tão reconhecida e tão esquecida, tão rica e tão despojada.
Em 1995, ninguém poderia imaginar um tal percurso. Mas se rebuscarmos as sementes iniciais, detectamos utopias hoje acontecidas. Quinze anos são pouco tempo para tanta lança em África.
Mas há mais histórias na sombra. Das que precisam de rufar, para nos arrombar a indiferença.
Escutem. Orquestra de percussão, com nome de enfeitiçar. Zabumbar. Alunos da Cerciag. Não conhecem? Nos carnavais e outras festas que tais, eles desfilam na avenida. É um tal de ribombar. No quintal da d’Orfeu, também já tiveram estreia. No solstício de Junho. Chegaram. Medo a sair-lhes dos olhos. Nervos a tolher os braços. Até que…
Tum! Um sinal da maestrina e toda a banda se arruma. Tum, tum, e a banda se perfila, e baquetas em ventoinha te, te, te, te, te,te,te, te, te, e agora um baile de baquetas e tambores sem parar tum, te, te, te, te, te, te, tum, tum, tum e agora só tambores a trovejar tumtumtumtumtumtumtumtumtumtumtum, e a mestra sempre a mandar e, depois de uma grande sinfonia de percussão e magia que toda a gente endoidece, agora é para acabar, tum, te, te, te, te, te,te, tum, tum, e novamente baquetas a valsear te,te,te,te, te,te,te,te,te, e Tum, tum, é a banda a perfilar-se e Tum, toa a banda a arrumar-se, à ordem da maestrina, pouco mais que uma menina.
E um clamor de palmas e uma revoada de bravos a trazer o céu aos olhos dos tamborileiros.
E depois destas histórias que ninguém conta em lugar nobre, e que hoje tiveram o seu momento de glória, permitam-me que tenha umas palavras para o futuro da d’Orfeu. Não sou astróloga, nem leio as linhas da mão. Mas sei que o futuro se alicerça no presente. E este é um tempo cheio de sonhos realizados, de reconhecimento institucional, de prémios, de dedicação, de trabalho. Também de algumas pedras no sapato.
Nenhum poeta autêntico (e a expressão é pleonástica), pode aceitar, como regra de jogo, agradar; pelo contrário – disse Eugénio de Andrade.
Mas temos, inegavelmente, um presente cheio de projectos, de ansiedade, com uma equipa dinâmica, criativa e assertiva.
O actual sucesso do projecto d’Orfeu não se consegue por milagre ou mero acaso. É este presente, com provas dadas, que nos faz ter esperança no futuro. A d’Orfeu é uma associação cultural, com espírito empreendedor, com um culto de exigência que nos obriga constantemente a ultrapassar-nos.
Não vivemos num lugar fechado, intocado pelos ventos de um momento crítico. A nossa capacidade de resistir tem sido testada muitas vezes e temos conseguido ultrapassar obstáculos, nunca esmorecendo, nunca olhando o chão. E esta energia, todos sabemos, vem do colectivo. Sem o esforço e o empenhamento da equipa, de sócios, amigos, parceiros, mecenas, entidades institucionais, comunicação social, a d’Orfeu não teria alcançado tão grande reconhecimento. Todos nos temos empenhado e, juntos, temos conseguido respeito e prestígio para a nossa Associação, no país, em Espanha, ali, um pouco mais além, onde também já moramos, onde o nosso nome já se diz em francês, em italiano, em alemão, em servio, polaco, checo, numa torre de babel que temos vindo a escalar.
Em quinze anos, a d’Orfeu já conquistou um espaço único e tem uma história riquíssima. Mas ainda há muito mais para crescer. Perspectiva-se o futuro da associação com «mais solidez e mais qualidade e, obrigatoriamente, melhores condições. E há a necessidade de renovação: renovação de meios, de orgânicas, de conceitos, até de pessoas. Estamos empenhados na criação de condições estruturais e humanas de funcionamento para que continuemos a evoluir. A d'Orfeu conseguiu e conquistou um estatuto que já não pode ser desbaratado». Dizem, magistralmente, Luís Fernandes, esse músico, programador, arquitecto visionário da estrutura d’Orfeu, e António Pires, sonhador incorrigível, esse poeta da diferença, no livro Contexto.
Quinze anos é muito tempo.
Alguém profetizou, utopicamente, que chegaríamos à última fronteira. Mas nós é que vamos empurrando as nossas fronteiras. Os nossos limites vão sendo desenhados por cada um de nós, paulatina ou vertiginosamente, num misto de arrojo, de loucura e de inocência. Como a do menino do poeta brasileiro Manoel de Barros.

O Vidente
Primeiro o menino viu uma estrela pousada nas pétalas da noite
E foi contar para a turma
A turma falou que o menino zoroava
Logo o menino contou que viu o dia parado em cima de uma lata
Igual que um pássaro pousado sobre uma pedra.
Ele disse: dava a impressão que a lata amparava o dia.
A turma caçoou.
Mas o menino começou a apertar parafuso no vento.
A turma falou: mas como você pode apertar parafuso no vento
Se o vento nem tem organismo.
Mas o menino afirmou que o vento tinha organismo
E continuou a apertar parafuso no vento.

Odete Ferreira
Presidente da Direcção da d'Orfeu