terça-feira, 14 de junho de 2005

A crise da cultura

Não há fome que não dê em fartura. É o melhor provérbio que lembro de memória para dizer o espanto com que assisti, numa sala quase vazia, a um dos melhores concertos que se fizeram em Águeda nos últimos tempos. Digo espanto, porque tudo faria crer que o espectáculo de arranque do Junho Jovem 2005 fosse um evento de massas. Apesar de quase gratuito (os bilhetes custavam apenas dois Euros), o concerto dos Berrogueto, um dos melhores grupos musicais da Galiza, teve o aplauso de pouco mais de uma centena de espectadores. No mínimo, inacreditável num país que, há pouco mais de uma década, tinha vergonha da ignorância cultural do seu povo.
Há vinte anos, Portugal era, na verdade, um país totalmente sedento de tudo. Nas estantes dos supermercados faltavam ainda os produtos que praticamente só os emigrantes traziam no Verão quando vinham de férias. Para as universidades iam ainda sobretudo os filhos de famílias de classe média e alta. A RTP era uma paupérrima amostra da televisão que já se fazia “lá fora”. Culturalmente, Portugal era um país de escassos recursos. Fora dos grandes centros urbanos (Lisboa, Porto, Coimbra e eventualmente Braga), a oferta cultural não deixava grandes alternativas aos bailes de salão e às romarias religiosas.
Hoje, porém, todos conhecemos o Kinder Surpresa, a Nutela, o Ketchup, os hambúrgueres do McDonalds, o queijo Philadelphia, as pizzas pseudo-italianas e os cereais de pequeno-almoço. Os municípios também já têm agenda cultural, todas as cidades têm associações dedicadas ao teatro, ao desporto, à música ou a quaisquer outras actividades artísticas. Não faltam salas de espectáculo com qualidade um pouco por todo o país. Pequenas ou grandes, todas conhecem o entusiasmo de uma ou outra colectividade para dominar o palco.
Recardães tem ainda a particularidade de ter um dos melhores auditórios do distrito de Aveiro. No entanto, à juventude, ao profissionalismo e ao sonho de uma cidade modernamente culta, responde-se com uma ausência gélida, de indiferença pelo dinamismo artístico e de visível retorno à ignorância do Portugal de há 20 anos.
Dirão alguns que a escassa afluência a este espectáculo se deveu ao facto de ele acontecer no dia 10 de Junho. Não acredito, porém, que tenham estado muitos aguedenses em Guimarães a comemorar o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, nem tão-pouco que grandes massas se tenham deslocado para umas mini-férias no Algarve. Tenho estado em muitos eventos nas últimas semanas e em todos reparei no mesmo: na ausência generalizada de público. É por isso que insisto na tese de que na cultura é como nas guloseimas das crianças: lembro-me bem do tempo em que os ovos Kinder eram um luxo delicioso a que as crianças portuguesas só tinham acesso quando os amiguinhos emigrados na Alemanha vinham de férias ao país dos pobres; hoje as crianças portuguesas comem ovos Kinder ao pequeno-almoço e o país dos pobres é agora um país de desregrados e fartos.
Tenho pena que o décimo aniversário da d'Orfeu coincida com a cultura da “Quinta das Celebridades”; que à excelência da arte que é hoje possível deslocar a meios quase rurais se prefiram as conversas fúteis de café; que o espírito se sustente com encenações de um novo tribalismo, como o que hoje representa a cultura das discotecas…

Madalena Oliveira

terça-feira, 7 de junho de 2005

Junho Jovem’05 arranca em Recardães

Os Berroguetto são sete músicos, cujo reportório tem como objectivo projectar o “folk” galego. É com este grupo que se iniciam em Recardães, na próxima sexta-feira, dia 10, os espectáculos do Junho Jovem, uma iniciativa conjunta da Associação Cultural d'Orfeu e da Câmara Municipal de Águeda.

Coincidindo com o décimo aniversário da d'Orfeu, o Junho Jovem arranca com uma participação espanhola, no prolongamento do “Mestiçal Peninsular”, festival que a associação promoveu no ano passado. De acordo com a nota enviada à comunicação social, trata-se de «um grupo de realce internacional», «uma banda inovadora, com ideias diferentes e conceitos originais».

Os Berroguetto nasceram em 1996, com o álbum “Navicularia”, considerado um êxito pela crítica e pelo público. Com mais dois álbuns lançados entretanto, em Recardães, o grupo vai interpretar sobretudo temas do último disco, o “Hepta”.

Os bilhetes para este concerto, que tem início marcado para as 22 horas, custam dois Euros e estão à venda na d'Orfeu. Pouco antes do espectáculo, vão estar também à venda no próprio Auditório do Centro Social Paroquial.


Localização estratégica

Para Luís Fernandes, dirigente da d'Orfeu, o Auditório do Centro Social Paroquial de Recardães é o local ideal para este concerto. Para além de se pretender diversificar a oferta cultural, a localização estratégica, as características e condições dos locais de espectáculo são critérios determinantes para a organização.

À semelhança de há três anos, a associação está também a negociar com o Centro Social Paroquial o acolhimento do festival “O Gesto Orelhudo”, agendado para o Outono. As negociações com a Direcção da instituição estão já em curso, mas não está ainda confirmada a possibilidade de centrar outra vez os espectáculos deste festival em Recardães.


Madalena Oliveira