domingo, 7 de maio de 2006

Concerto do Culto de Orfeu

“Artistas…
Artistas ou seja criaturas inúteis, que fazem eles que preste, só depois de mortos os apreciam, (…) até admira que não coma a sopa dos pobres, o que a gente sonha para um filho e, vai na volta, prosas…”

A mãe de António Lobo Antunes a suspirar desgostosa

- Não conheces a Rosinha dos Limões, pois não, Lucinda?
- Sim, sim, a minha avó cantarolava-a muitas vezes, lembro-me bem,
quando ela passa, junto da minha janela…
E a Lucinda, uns trinta anos a ressumar amanhãs, enternecia-se de uma ternura de sépia, como se beijasse um retrato antigo. Em minha casa, era a minha mãe que trauteava a Rosinha, a minha mãe, que para os meus seis anos cantava melhor que a Amália!
Tive pena que a minha amiga não tivesse dado de caras com a Rosinha, “arranjada” pelo Culto de Orfeu, na noite de três de Maio, num concerto integrado na Feira do Livro, promovida pela Junta de Freguesia de Águeda. Ossos do ofício, queixa-se ela! Desta vez, a Rosinha trazia no cesto uma guitarra, umas colheres, uma concertina, uma flauta. E atrás dela, o Rogério, o Artur, o Bitocas e o Luís. Os Fernandes. Quem não conhece estes irmãos? Cá para mim, a avó deles também lhes trauteou a infância com a Rosinha dos Limões! Esperta a Rosinha! E ali, no teatro de bolso do Orfeão de Águeda, eu juro que vi limões em forma de notas, a dançarem no ar, os meus olhos atrás delas, as minhas mãos quase a agarrá-las, eu a levantar-me, eu quase a correr para o palco, e eles a arrecadarem a Rosinha a sete chaves, na alma dos instrumentos, e a ovação do público a estalar por todos os poros!
E afinal que fazem eles que preste? Quase me azedo de inveja!
Eles só nos enfeitiçam! Só nos fazem perder a compostura, rir, aplaudir, abanar o capacete, passar-nos mesmo, esquecer o déficit, as aulas de substituição, a idade da reforma, enfim aquele rol de coisas sérias que nos ajardinam o dia a dia!
É que, durante quase duas horas, ninguém segurou as pontas. Foi uma violência aquele cortejo de talento! Partiu-se de Águeda e andarilhou-se pelo resto do mundo. Com a segurança do Artur, a sobriedade do Rogério, a entrega do Bitocas e a paixão do Luís, que, se o deixassem, levantava voo e ainda hoje andava a flautear nas nuvens. Todos a electrizarem-nos.
Se o concerto fosse na Casa a Música, ou no Centro Cultural de Belém, quem sabe se mais peregrinos se juntavam àquela caminhada? Mas que aquela noite fica na memória de um teatro a rebentar pelas costuras, ah isso, que ninguém tenha a mais pequena dúvida! Artistas!

Nenhum comentário: