quinta-feira, 21 de fevereiro de 2002

CURTAS Fevereiro 2002

Cimeira do Fole continua com Renato Borghetti
Depois da magnífica noite de Kepa Junkera, na abertura da Cimeira do Fole, é enorme a expectativa para os concertos que aí vêm, começando já pelo de 23 de Março com o gaúcho Renato Borghetti. O evento conta já com o beneplácito do público que se prepara, não satisfeito, para esgotar outra vez a lotação; este segundo momento da cimeira terá lugar no Auditório do CEFAS, cuja lotação é de 320 lugares sentados...

Segunda temporada d’Os CantAutores
O espectáculo Os CantAutores, interpretado pela d’Orfeu, será apresentado no sábado 9 de Março no Centro de Artes e Espectáculos de Sever do Vouga, por iniciativa da autarquia local, no âmbito da programação anual daquele espaço recentemente inaugurado.
O espectáculo, que arranca agora para a segunda temporada, circulará por todo o país durante toda a próxima Primavera e Verão.

Os Cantautores em CD
Está na calha a edição do CD do espectáculo Os Cantautores, registando a homenagem da d’Orfeu às obras de Sérgio Godinho, José Afonso e Fausto. A fase de gravações, que decorreu no Novo Ciclo ACERT em Tondela, está já terminada. O lançamento do disco, a acontecer brevemente, será assinalado com uma apresentação especial deste espectáculo.

Toques do Caramulo em Aveiro
A d’Orfeu foi convidada pelo INATEL para apresentar um excerto do espectáculo Toques do Caramulo durante a cerimónia de entrega de instrumentos a grupos folclóricos do distrito, a decorrer no Centro de Congressos de Aveiro a 23 de Fevereiro. O público, maioritariamente ligado ao universo do folclore, conhecerá em “Toques do Caramulo” um trabalho de recriação livre de repertório folclórico da zona serrana do concelho de Águeda.

Espaço Millenium no Espaço d’Orfeu
O Espaço d’Orfeu ficará dotado brevemente de um ponto de acesso à internet com seis terminais, a instalar no âmbito do Programa “Geração Millenium 2.0” do Instituto Português da Juventude e da FDTI - Fundação para o Desenvolvimento das Tecnologias da Informação. Aquele espaço, para além de servir toda a comunidade d’Orfeu, receberá formação a ministrar pela FDTI.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2002

voz off de abertura - Cimeira do Fole

O meu pai tocava sanfona. E, quando ia para os serviços da Orquestra Típica tocava para nós, já fardado e ao fundo das escadas, "As Lavadeiras". No meu pequeno de sete ou oito anos, instrumento, era aquele. A sanfona. Porque nas farras que o pai fazia nas adegas, fosse a "Samaritana" ou o "Malhão de Águeda", a sanfona deixava os convivas sem o pé no chão e com as mãos nas palmas.
O tio Américo nem peciosu de perguntar - Sanfona, como a do meu pai, é o que eu quero. Os tocadores de instrumentos tradicionais que a Orquestra Típica precisava, já rareavam, e o ti Américo criou a escola de música. bandolim para o Rogério e Bitocas e concertina para mim. Sim, concertina é que se chama, não é sanfona. Mas o meu pai dizia sanfona...
E o tio Américo, sem nunca ter tocado concertina, lá me ensinou; fez um mapa com as notas de cada botão, as músicas da Orquestra na estante e, pelo que ia ouvindo do meu toque, correcções fazia. E estreei na Orquestra Típica a saber tocar o "Vira de Cedrim" e pouco mais. o pai, ao lado, dava-me toques no braço, a chamar a atenção para os meus toques ao lado. Depois da pequena concertina veio uma nova de três carreiras. E veio também o convite do "Cancioneiro" e do "Cancioneiro Infantil" para dar uma ajuda na tocata. Mas não haviam partituras! Algumas músicas eram as mesmas da Orquestra mas, e as outras? Como é que vou tocá-las sem saber as notas? O Braz dizia - "Ouve, ouve que as notas estão lá!". E começaram a estar: os sons, os dedos e as notas no ouvido, na concertina e nas pautas.
Instrumento limitado, dizia-se, só dá para o folclore. Não será bem, assim, terei pensado. Os primeiros alunos da minha concertina foram cúmplices deste arrojamento:desengalfinharam os dedos para tocar comigo a "Aria" da Bach, a abertura da "Aida" de Verdi ou a "Aquarela Brasileira". Quantro concertinas desconstruíam o preconceito e construiam uma vontade nova para o instrumento. À época não me chegavam eventuais modelos a seguir: era conhecido o meio dos tocadores dos grupos folclóricos, mas desconhecido por completo o panorama do instrumento a nível internacional.
Até que veio a Évora o italiano Riccardo Tesi, com ele os contactos do inglês John KirkPatrick, do basco Kepa Junkera, os discos do francês Alain Pennec, do irlandês Jackye Daly, do brasileiro Renato Borghetti, do mexicano no Texas Flaco Jimenez, do russo Panoramenko, do Caboverdeano Kodé di Dona, os concertos da irlandesa Sharon Shannon, do colombiano António Rivas, e...
...e então percebi que a sanfona do meu pai era a minha concertina, era o organetto do Tesi, o diatonic accordion do kirkPatrick, a trikitixa do Kepa, o accordéon diatonique do Pennec, o melodeon do Daly, a gaita-ponto do Borghetti, o accordion tex-mex do Flaco, a garmochka do Panoramenko, a gaita de fole do Kodé...


Artur Fernandes

Enfim, uma cimeira do fole!...

O Artur Fernandes, um percursor dos novo caminhos da concertina em Portugal, ensina desde o início na d'Orfeu, tiques e toques do seu instrumento a pequenos alunos; muitos ainda sem força para pegar na mala da concertina, mas aprendem e tocam com vontade própria de imitar os ídolos que a d'Orfeu lhes alimenta.

A concertina do Artur toca, por exemplo... Piazzolla. As concertinas gostam sempre de tocar Piazzolla com a concertina do Artur. E com as mesmíssimas notas com que tocam o Malhão de Águeda. É por isso mesmo que nesta sala, fizemos questão que estivesse um grande número de tocadores dos grupos folclóricos do concelho, envolvendo-os na dinâmica de um movimento musical universal do qual também fazem parte.
Que história é essa de se dizer que andam p'raí concertinas a tocas o que não devem?...

Faz-se a história da d'Orfeu de alentos e de sonhos, de andar há seis anos em Águeda a tocar o que não se deve. Vivemos todos os dias esta ilusão de sediar em Águeda o universo.
A seguir à nossa crença, o público foi o primeiro a chegar. O público sentou-se sempre na fila da frente.
1995: o início do pânico na anti-cultura; ele é formação em músicas tradicionais, ele é mobilidade europeia, ele é arrojo estético, ele é criação e difusão, ele é... ele é promoção da arte, da música, ele é sedução... Proposta sedutora, esta d'Orfeu.
1999, primeira edição do Festival O Gesto Orelhudo, a menina dos nossos olhos: autarquia retira subsídio e manda "limpar" todos os cartazes das ruas. Segue-se uma mobilização popular até aí invulgar em eventos culturais em Águeda.
Em Julho de 2000, a associação enlouqueceu outra vez: lançou-se a uma programação ininterrupta de 31 dias, durante todo o mês de Julho. O Espaço d'Orfeu, na Venda Nova, albergou todos os dias este mar de cumplicidades que nos inunda. E em Águeda, passava a viver-se efectivamente, ao fim de cinco anos, todos os dias, o encanto de uma vivência cultural.
Já estava instituído o estado de festa em Águeda no ano passado, quando aconteceram a segunda edição dO Gesto Orelhudo, o d'Orfusão, o Ciclo Isto É Trigo Limpo, o Ciclo Os CantAutores, a Saga Cigana, oo OuTonalidades... O pânico dos isntalados comodismos já andava em fases de agonia terminal...
Este ano - hoje são 8 de Fevereiro de 2002 - somos serviço público de cultura. Estamos na abertura da Cimeira do Fole. Uma abertura "oficiale", que anuncio assim em tom grave, para me crer fazer crer que isto é mesmo verdade.
A ser mesmo verdade, para o nosso público em termos locais, isto representa uma legítima expectativa de emancipação cultural e promove, como vêm, Águeda como destino cultural. Nesta sala, sabemo-lo, está presente público de todo o norte do país - (mas) quem é que não está hoje aqui presente? - muitas destas pessoas estão hoje em Águeda pela primeira vez, por motivos, pasme-se, culturais.

É que os objectivos de diferença e inovação são ainda uma missão, deixem lá dizer-vos, algo ingrata de se cumprir em Águeda. A comunidade, está visto, está sedenta e tem sido a maior causa, mas ainda sentimos na pele o prurido de uma qualquer aversão, aqui e ali, para com esta nova realidade, já lá vão seis anos!!
Eh pah!... são cidadãos em esforços desumanos quem constroem este prazer colectivo, da mesma maneira que, persistentemente, vêm pondo de pé este empreendimento chamado d'Orfeu. Esforços, repito, desumanos.

Compreende-se que, não tendo existido um passado que nos legasse a experiência de grandes apoios manifestos e iniciativas culturais de impacto nesta cidade, seja este obviamente um terreno virgem e que o poder decisório não se atreva a dar definitivamente o passo em frente.
Os subsídios culturais já vão tendo alguns zeros, mas têm que ser convertidos agora em euros. Talvez mantendo os zeros... Já não pode é ser desajustado pensar que Águeda pode crescer em qualidade de vida sem um investimento cultural de alto nível. Permanente e arrojado, para não deixar perder os comboios todos. Andamos a fazer tudo por vir a apanhar esses comboios nesta terra. Em 2002, da nossa parte, vamos reforçar a dose e, mais uma vez, não medimos o atrevimento e a ousadia. Todos os dias, continuaremos a desbravar os caminhos que parecem interessar a parte significativa do colectivo aguedense.

Na d'Orfeu, os tais "todos os dias" são intensos, muito intensos.
Também há dias que são chorados.
É que dentro dos sonhos, o choro e o riso sempre se confundiram. Tal como se confunde com o nosso choro destes dias recentes, o riso do arquitecto, ele, das longas e assíduas companhias ao trabalho de todos na d'Orfeu, onde nos procurava e o encontrávamos. Com ele, sentiamo-nos arquitectos herdeiros de cultura.
Uma jovialidade! É essa jovialidade. Obstinados, duros como Rocha.
Carneiro é o retrato que adoptamos de animal cultural.

Temos ídolos sim, arquitectos ídolos tanto à porta de casa como à porta do mundo. Com a Cimeira do Fole que hoje arranca, queremos agora fazê-los cá passar, ter cá motivos para receber a sua genialidade, eles que sempre estiveram na nossa música, verdadeiros mestres, invariavelmente compactados em disco, longamente passados na aula da d'Orfeu. Fole sim, fole sim, fole não, muitos deles connosco estarão ao vivo este ano em Águeda. Kepa - esse terrorista da trikitixa - é já hoje, estamos no seu palco; ele está no nosso.
Em Março, segundo momento da Cimeira: no CEFAS, o brasileiro Renato Borghetti, mestre maior da gaita-ponto vai "querê nos arrebatá" com o encanto desta "Mercedita"... do género "abrir o apetite", aqui tocado por três gerações da concertina na d'Orfeu - o mestre Artur Fernandes, a mestre Mara Abrantes e a amestrada destreza da infância musical da Rita Pinho.
O fole ganha aqui compromisso esta noite, nesta plateia de Águeda, nesta plateia cimeira do mundo. Suplicamos o progressivo aproveitamento criativo da concertina para todos os géneros musicais, num cenário tanto mais universalista quanto identificado com a nossa riqueza tradicional e folclórica; este é o discurso-ponte vindo a praticar pela d'Orfeu. É só esse o nosso lugar.

2002... que nos desculpem, mas está decidido: serão os génios do dedo, muitos deles ocultos, a marcar o nosso ano cultural; será altura de a concertina cometer todos os sacrilégios. Concertina ou... Garmochka ou Trikitixa ou Organetto ou Melodon ou gaita-Ponto ou...sejam quais forem os paladares dos foles que hão-de vir a Águeda. Quer é ser este, um festival de relações afectivas entre músicas e instrumentos.

Todos faremos a Cimeira do Fole! O risco que corremos é proporcional ao esforço que fazemos; queremos é continuar a vê-lo compensado no brilho dos olhos do público. Vamos pensar que nesta terra todos os sonhos se concertinam...

Luís Fernandes

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2002

Rocha Carneiro, um d'Orfeu

Hoje quero tocar o absurdo por tu

Quero pôr de lado a solenidade com a morte.
Afinal de nada nos serve a reverência. Ela não nos faz o favor de nos poupar. Pode acenar-nos com um sorriso amarelo de prolongamento, mas a palavra fim morde-nos venenosamente.
Hoje quero dar-lhe intimidade e rir-me raivosamente por ter de curvar-me diante do irremediável que nos espreita em cada esquina, em cada desaceleração da máquina, em cada estrangulamento de veia, em cada mancha de ferrugem que nos vai limando.
Hoje está tanta coisa de luto. A poesia, a liberdade, a solidariedade, a arte. Rocha Carneiro, o Artista, não está mais na primeira fila de um colóquio, de um espectáculo, não cria mais, não se expõe mais, não sente mais a festa e a dor dos Artistas.
Hoje quero tocar a Arte por tu.
Quantas vezes, meu amigo, te sentaste connosco e nos ouviste, como se fosses o mais pequeno de nós? E quando te levantaste e nos ensinaste o caminho de dizer poesia? A tua voz fazia-se outra vez adolescente, o teu sorriso fazia-se novamente tímido, a pedir desculpa de nos ensinar, a nós alunos da tua inteligência, da tua criatividade, da tua cultura, da tua simplicidade.
Tu que cantaste o samba e a saudade de Domingos Sineiro, nos sinos de Stª Eulália, que sofreste a beleza da tua cidade desgastada no urbanismo desenfreado, que entendeste que o Amor é a mola real da reinvenção do mundo. É por isso que hoje a tua voz se costura com os sinos, o fervilhar da praça, a cor dos teus azulejos, a vida da tua História, o olhar encolhido dos animais que se acoitam no caminho livre da tua casa, as folhas e as flores que se debruçam nos teus muros, a palavra que te disse, a palavra que nunca tive tempo de dizer, este silêncio que nos adestra com o ferrete da pressa.
Hoje quero tocar a solidariedade e a amizade por tu.
Porque nós, todos os d'Orfeu, recebemo-las desmesuradamente e havemos de apregoá-las, porque essa foi a tua herança.
E afinal, meu amigo, o que nos uniu? Foi a harmonia da aragem? A diferença de tempos? O risco do relâmpago? O desatino da procura da Arte? O caos e a desordem depois da perda irreparável?
Tu que tinhas o poder de apaziguar, tu que procuraste a Poesia no Vale das Sombras, legaste-nos a tua inquietude, a tua juventude, o teu desapego, para somar à nossa conta, para que na tua cidade todos tenham o seu lugar ao sol.
Assim quis Orfeu com a sua Eurídice!


Odete Ferreira

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2002

Obituário d'Orfeu

Com desgosto informamos o falecimento no passado sábado do Sócio Arqº. António Rocha Carneiro, figura dedicada à cultura e à sociedade em Águeda e entusiasta da d'Orfeu quase desde a fundação.

Assíduo frequentador das instalações, aqui nos entrava amiúde e fazia longa companhia ao trabalho de todos. Foi também interlocutor da associação em momentos essenciais da actividade. Era o Sócio nº 23.

O funeral realiza-se hoje, segunda-feira, pelas 17 horas e apelamos à presença de todos. Devemos a gratidão a este que era dos nossos e de todos.

A Direcção